25 de abril de 2011

A dúvida como aliada no desenvolvimento profissional

O teatro de sombras, objeto dessa pesquisa, concentra em sua essência o mistério de seu critério utilitário como linguagem cênica e expressão artística para informar ou comunicar algo. Como se manifestar dramaticamente com a dinâmica estética das sombras sem cair em um deslumbramento espetacular e distraído? Essa dúvida artística e filosófica sobre a sua prática pode passar facilmente a uma dívida com seus espectadores.


Levando em conta que as especulações têm o mesmo ou até um maior valor conceitual que as suas possíveis e inexatas respostas, cabem aqui, nesta ferramenta em formato de blog, todos os tipos de comentários que ampliem ou encurtem as discussões.  Aqueles que desejam somar ou abstrair os diversos conhecimentos que o assunto dessa pesquisa pode oferecer possuem papel determinante no desenvolvimento dessa arte expressiva. Expressem sem pressa.

O ponto de partida para uma proposta investigativa

A proposta desse projeto de pesquisa é fruto do amadurecimento dos conceitos do Teatro de Sombras iniciado na capital gaúcha, com o financiamento do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre - Fumproarte para a montagem do espetáculo de sombras Sacy Pererê – A Lenda da Meia-Noite, em 1999.

Projeto que foi desenvolvido por dois anos e exigiu a investigação, a pesquisa e a experimentação dos conceitos, das técnicas e da estética da linguagem das sombras para alcançar uma dramaturgia e dinâmicas cênicas que oferecessem outras possibilidades expressivas, além das referências do teatro de sombras tradicional, originário do oriente. O resultado foi um espetáculo de teatro de sombras contemporâneo, híbrido, performático e com uma essência cinematográfica amalgamada em sua estética plástica e nos seus conceitos interpretativos. Marca deixada pelo aprofundamento da pesquisa e simbiose dessas duas linguagens. O espetáculo, premiado por seu caráter de dramaturgia inovadora, prossegue desde sua estréia, em 2002, circulando pelos principais festivais e projetos de artes cênicas do Brasil e faz parte de um raro repertório desse gênero no mundo. Criado e produzido pela companhia gaúcha Teatro Lumbra de Animação, ganhou novas dimensões, sendo apresentado em mais de 20 estados como um expoente da arte das sombras produzida no extremo sul do país. Certamente as dúvidas e as necessidades encontradas no início desse primeiro projeto e durante toda a trajetória profissional desencadeada por essa produção experimental, foram fundamentais para embasar os conceitos, concretizar o surgimento e o estilo estético da Cia Teatro Lumbra em todas as suas ações artísticas, personalizando o estilo desse coletivo engajado com a pesquisa, a criação e a produção de projetos cênicos desenvolvidos em Porto Alegre. Essa marca tem seu registro e referências em projetos artísticos em palcos e mídias por todo o país, nas pesquisas acadêmicas, em livros didáticos, nas redes sociais e na história internacional do teatro de animação contemporâneo. Reconhecimento que foi além das esferas de atuação tradicionais e das possibilidades reais de propagação dos espetáculos de uma companhia teatral brasileira.

Essa transmutação lenta e natural do foco de interesse pessoal artístico em uma necessidade e importância estética universal ainda carece de investigação e entendimento. O amadurecimento artístico e a clareza são possíveis por meio da constância, mas será que isso não precede sempre de novas escolhas de risco? Será essa a fidelidade que a arte exige de seus criadores? Providências que fazem parte dessa pesquisa e dependem da atitude e coerência entre o pensar e o agir. Vamos ao trabalho.

16 de abril de 2011

Teatro de Sombras no íntimo

O brasileiro procura o alento no calor escaldante das regiões quentes e se apavora durante os apagões nas grandes metrópoles. Não temos tradição da sombra como arte ou registros nos costumes indígenas. O que existe vagando por aqui é uma memória afetiva e de resíduos no inconsciente. Talvez reproduzido por algum colono europeu que, libertando seu cansado espírito infantil, brincou no escuro da noite por alguns instantes, ao lado da chama de uma vela e alguns poucos olhos curiosos. Essa rara memória da sombra existe curiosamente pela ausência da luz.


Antes ou depois da lâmpada elétrica a escuridão sempre foi a grande geradora de sombras deslumbrantes. Idade das cavernas. Condomínios de apartamentos. No campo ou na cidade. Em qualquer lugar ou época a escuridão intimou alguém a produzir luz. Aí surge uma sombra diferente e intrigante. Uma manifestação. No silêncio noturno apareceram as primeiras assombrações, brincadeiras com as mãos, silhuetas, suspense e outras projeções da imaginação infantil. Relato de quem brincou com sombras quando a energia cessou e iluminou uma lembrança remota. Vem a arte das sombras desse clarão do passado. Uma conexão com o inverso de um universo esquecido e muito pessoal. Os donos das sombras é que têm o poder de dar um valor emotivo a elas. Quando se percebe o mistério, seja como espectador ou como ator, algo estranho, no íntimo, acontece.

Alexandre Fávero
Sombrista, diretor, encenador e pesquisador da Cia Teatro Lumbra

Texto criado para o Informativo da Cooperativa de Artistas Oigalê - Porto Alegre/RS

Valorizar as pequenas experiências para alcançar grandes resultados

O mundo vive em um fluxo constante de mensagens cuja natureza é predominantemente audiovisual. A arte se vale disso para manter uma vitalidade e características insubstituíveis. De uma perspectiva educativa até suas vertentes mais contemporâneas e híbridas, resultando em força expressiva, tendências culturais, estilo, complexidade conceitual, inovação, interatividade e tudo o que permeia seus processos, esferas de ação e possibilidades comerciais.

O teatro de animação gaúcho nunca foi diferente ou inferior aos outros modelos de sucesso. Na sua pequena, mas contínua participação dentro da cultura local conquistou rapidamente alguns associados, espaço na mídia, festivais, indicações, prêmios, turnês, investimento em projetos sofisticados e a participação em grandes eventos internacionais. Resultado dos conhecimentos adquiridos e acumulados na criação e na produção, por pioneiros de talentos latentes e outros corajosos artistas que se arriscaram nessa arte fazendo história pelo mundo.


A Cia Teatro Lumbra não é uma pioneira no teatro de animação e muito menos no teatro de sombras. Bem pelo contrário. Seus integrantes acompanharam de perto os artistas veteranos nos festivais próximos por muito tempo antes de se jogarem na linguagem que trabalham hoje. Foram os conhecimentos e a vivência com outros artistas e coletivos mais experientes que indicaram os pontos de referência para criar suas primeiras obras. O estilo veio com a prática e o amadurecimento conceitual. Temas nacionais, aprofundamento conceitual, estética irreverente, dramaturgia experimental, tecnologias alternativas, processo artesanal, investimentos de risco e resultados híbridos formam parte da cultura da sombra originária das criações da Cia Teatro Lumbra.   Nessa trajetória foram criadas e produzidas mais de 40 obras para diferentes fins e nos mais variados formatos.  Um grande esforço para gerar um pequeno patrimônio de experiências e materiais dramáticos que servem como referência para o avanço e a qualificação artística dos integrantes, de vários curiosos, de artistas interessados nesse potencial expressivo e de pesquisadores do gênero.

É a inquietação em cada processo criativo que dinamiza as dúvidas e apresenta as descobertas, produzindo experimentações e exigindo organização na metodologia de trabalho. Aprendizado fundamental para aplicar as idéias nas mais variadas mídias e formatos, registrando os processos e sensações únicas para propagar, apresentar e vender aos interessados, em qualquer parte do mundo, esse ramo do conhecimento artístico e suas obras.


Essa vivência com as sombras marca parte da história das artes cênicas em Porto Alegre, mas ainda é pretensioso afirmar, mesmo sendo possível ver e ouvir falar de sombras que comunicam, informam, revelam e provocam os apreciadores do teatro. A partir dessa percepção novas necessidades apontam no efêmero e quase imperceptível cenário cultural do teatro de sombras gaúcho. Não só refletir sobre o que dizer, mas questionar: Estamos realizando uma arte regional ou universal? Será que o caminho do sucesso é seguir para o interior ou o para exterior do país? Seremos entendidos? Devemos buscar cada espectador ou o público de massa? A experiência prática e a lógica tendem a desejar somente as melhores opções, mas todas elas, em alguma ordem hierárquica de complexidade, é que permitirão traçar um caminho contínuo e conveniente de qualidade artística. Parece que o contrário carece de outros fatores. Provavelmente isso não faça parte da natureza dessa arte.

13 de abril de 2011

Dramaturgia da Sombra

O sombrista e diretor da Cia Teatro Lumbra de Porto Alegre/RS/Brasil, Alexandre Fávero, recebeu recentemente o apoio da Prefeitura Municipal de Porto Alegre através do Fumproarte - Bolsa de Estudos Décio Freitas 2010/2011 para a continuidade de sua pesquisa artística com a arte das sombras em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no Brasil e em outros países da América do Sul. A pesquisa possui pretensões amplas, mas concentra-se nos aspectos mais regionais, sem deixar de flertar com conceitos e artistas de outros continentes. O projeto Dramaturgia da Sombra - Conceitos, técnicas e estética na arte criativa do teatro de sombras contempla a investigação, a difusão e o compartilhamento de conhecimentos sobre essa arte em diferentes campos de ação e pontos de vista.

Proposta que tem seu amadurecimento revelado em alguns conceitos criativos utilizados no teatro de sombras desenvolvido na capital gaúcha e experimentado no território brasileiro com a Cia Teatro Lumbra em mais de 10 anos de trabalho. Um repertório de ações artísticas que utiliza a linguagem expressiva da sombra em vivências pedagógicas, experiências técnicas, treinamentos e variadas produções no teatro, cinema, vídeo e performance.

Utilizar-se da sombra como caminho profissional é uma iniciativa tão incerta quanto o próprio fenômeno sombra. Decisão que necessita de estudo constante para alcançar resultados satisfatórios e uma prática continuada para entender a sombra dramática como matéria-prima, ferramenta, ofício e fonte de conhecimento. Investimento que revelou um Brasil interessado, curioso e carente de reflexão sobre esse tema. Um povo sem tradição nessa arte e naturalmente com poucas fontes de consulta e uma pequena produção, isolada, regional, com falta de referências estéticas e quase sem alternativas de capacitação para os seus artistas, espectadores e curiosos que procuram informações e conhecimentos para entender, apreciar e trabalhar as sombras. Situação e ponto de partida para a organização de conhecimentos, práticas, técnicas e referências estéticas para qualquer interessado em se arriscar nessa arte.

Com base na informação, na formação técnica e na formação de público, a Cia Lumbra fundamentou seu trabalho para impulsionar novas experiências, o compartilhamento de conceitos e processos no campo da pesquisa estética, da ciência aplicada e da criatividade nas artes do teatro de animação com o gênero da sombra, para ampliar sua potencialidade e recursos expressivos. Investigação que indicou caminhos através de um mapeamento básico de conhecimentos transversais para aplicá-los na prática e que agora ganham uma dimensão e uma difusão amplificada por meio da inventividade e das tecnologias disponíveis que esse projeto pretende.

Esse trabalho tratará o tema de forma aberta e participativa, propagando por meio do blog http://www.dramasombra.blogspot.com/ ideias, textos e imagens sobre os rudimentos envolvidos no processo reflexivo e na criação com o teatro de sombras da Cia Teatro Lumbra, além de coletar referências de outros artistas e pensadores, colaborando para a criação de um banco de dados e conhecimentos, para compartilhar da forma mais ampla possível.

A pesquisa financiada pela bolsa Décio Freitas/Fumproarte se desenvolve no período de 10 meses, com previsão de conclusão para o mês de janeiro de 2012. A partir dessa data, a continuidade fica a cargo dos recursos próprios da produtora Clube da Sombra, de investidores privados e de outras leis de incentivo.