27 de maio de 2011

Mito da Caverna de Platão

O Mito da Caverna, também chamada de Alegoria da Caverna, escrita pelo filósofo Platão, encontra-se na obra intitulada A República (livro VII).


Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade. Essa parábola também é fonte de reflexão e inspiração especulativa para a dramaturgia no teatro de sombras contemporâneo, instigando o artista sombrista a encontrar nas verdades e mentiras das sombras suas ferramentas expressivas.





O Mito da Caverna de Platão

Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para a frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior. 

A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. 

Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. 

Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na caverna.



Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria. 



Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol, e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. 

Libertado e conhecedor do mundo, o priosioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. 


Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo.

Texto extraído do livro "Convite à Filosofia" de Marilena Chaui.



O diálogo de Sócrates e Glauco


Trata-se de um diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.
Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.
Glauco – Estou vendo.
Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glauco - Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.
Sócrates - Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?
Glauco - Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates - E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glauco - Sem dúvida.
Sócrates - Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glauco - É bem possível.
Sócrates - E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco - Sim, por Zeus!
Sócrates - Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?
Glauco - Assim terá de ser.
Sócrates - Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
Glauco - Muito mais verdadeiras.
Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?
Glauco - Com toda a certeza.
Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?
Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.
Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.
Glauco - Sem dúvida.
Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.
Glauco - Necessariamente.
Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco - Sim, com certeza, Sócrates.
Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.
Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco - Por certo que sim.
Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glauco - Sem nenhuma dúvida.
Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.
Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.
(Platão, A República, v. II p. 105 a 109)

Texto retirado da Wikipédia

Imagens retiradas da Wikipédia

 

21 de maio de 2011

À luz de sombras

Matéria da Revista Superinteressante. Edição nº 201 - Junho de 2004 - Editora Abril

No princípio era o medo do escuro. Mas, ao olhar para o sombrio, a ciência viu que na falta de claridade escondem-se respostas para grandes mistérios
por João Paulo Gomes


Uma mancha negra gigantesca escureceu e apavorou Nova York. Era o ano de 1915 e acabara de ser erguido o primeiro arranha-céu da cidade, o Equitable Building, com 40 andares. A sombra projetada pelo prédio de 166 metros, na época o mais alto do mundo, engolia quatro quarteirões, escurecia edifícios que o cercavam e deixava sem luz até pequenas fazendas que ainda existiam na região. Os nova-iorquinos se enfureceram, temendo que a cidade fosse devorada pelas sombras caso os construtores de Manhattan decidissem seguir o modelo estabelecido pelo Equitable. O protesto dos moradores resultou numa lei que regulamentou a altura das construções. A partir de 1916, com o surgimento de um plano diretor, edifícios passaram a ser projetados com um recuo à medida que os andares ficavam mais altos, levando-se em consideração as sombras que eles não poderiam fazer nos vizinhos – daí a origem da arquitetura característica da cidade, visível em construções como o Empire State Building, que afina quanto mais alto fica.

O episódio da metrópole apavorada pela penumbra descreve bem a má reputação que as sombras carregam. De um eclipse lunar a uma silhueta se esgueirando sobre uma parede, as sombras sempre foram consideradas entidades estranhas, cercadas de mistério, superstição e medo. Na Guerra do Peloponeso, por exemplo, o general ateniense Nícios permitiu que suas tropas fossem capturadas pelos espartanos após se recusar a bater em retirada durante um eclipse lunar. Para os nativos da ilha de Wetar, na Indonésia, se a silhueta de uma pessoa levar um golpe, ela certamente ficará doente nos dias seguintes. Na China, faz-se de tudo para evitar que a sombra caia numa cova ou caixão aberto. Na África subsaariana, o povo Songhay acredita que a sombra pode ser atacada, roubada e até devorada em algum macabro ritual de bruxaria.

Mas o que exatamente são as sombras? Essa é uma pergunta que nos fazemos desde crianças, quando ainda não somos capazes de respondê-la. Um experimento realizado pelo psicólogo suíço Jean Piaget revelou que a maneira como as crianças percebem as sombras varia de acordo com a idade. A partir de 5 anos, tendem a achar que são feitas do mesmo material que a noite – a escuridão. Depois, entre os 6 e 8 anos, acreditam que sejam objetos materiais. Só mais tarde, a partir dos 9 anos, é que elas percebem que as sombras são fruto da relação entre objetos e a luz. Já é algo muito próximo do que entendemos quando nos tornamos adultos: sombras são áreas escuras onde a luz foi bloqueada. E, apesar do costume de utilizarmos esse conceito apenas quando vemos uma borda entre o claro e o escuro, essa definição pode ser facilmente aplicada à noite, uma enorme sombra que ocupa o céu por cerca de 12 horas do dia.

Bem assombrado

Com um currículo desses, repleto de histórias esquisitas, é fácil ficar com um pé atrás em relação às sombras. Mas, se olharmos mais de perto, talvez ahistória tenha sido um pouco injusta com elas. Voltemos a Nova York, agora durante a Segunda Guerra Mundial. A cidade que no início do século protestava contra a mancha negra agora tentava se esconder na escuridão. Em 1944, Manhattan precisou apagar suas lâmpadas, incluindo os famosos néons e luminosos da Times Square. É que as luzes do horizonte tinham um brilho tão forte que iluminavam os navios que saíam em direção à Inglaterra, deixando-os vulneráveis aos ataques dos submarinos alemães que espreitavam nos arredores da costa americana.

A verdade é que, longe dos holofotes, as sombras têm sido importantes aliadas do homem há milhares de anos. É o que afirma o pesquisador italiano Roberto Casati, um dos diretores do Centro Nacional de Pesquisa Científica, em Paris. Em seu livro A Descoberta da Sombra, Casati mostra como as sombras nos ajudaram a descobrir de que forma acontecem os eclipses, qual o tamanho da Terra e a distância entre os planetas. “O uso consciente das sombras é feito desde os tempos mais antigos, apesar de serem temidas e de muitos não saberem bem o que elas realmente são”, afirma. Em defesa de seu estranho objeto de estudo, ele lista mais de 30 avanços da matemática, astronomia, geografia e até da pintura possibilitados pelas sombras. “Umaciência como a astronomia não sobreviveria sem elas”, escreve.

Foi observando um eclipse lunar, por exemplo, que o filósofo grego Aristóteles chegou à conclusão, em cerca de 350 a.C., de que a Terra não poderia ser plana. Aristóteles argumentava que a sombra projetada na superfície da Lua durante os eclipses era sempre curvada e, por isso, o planeta deveria ter um formato esférico. Cerca de 100 anos mais tarde, Eratóstenes, um outro filósofo grego, descobriu que as sombras poderiam medir a circunferência da Terra. Ele observou que, durante o solstício de verão, o sol do meio-dia era refletido no fundo de um poço na cidade de Siene (atual Assuã, no sul do Egito). Eratóstenes vivia em Alexandria, a cerca de 780 quilômetros ao norte, onde trabalhava na famosa biblioteca da cidade, e sabia que lá um obelisco projetava uma pequena sombra no mesmo horário. Utilizando um instrumento conhecido como scaphe – uma espécie de relógio de sol no formato de uma tigela redonda –, o filósofo calculou que a sombra ali projetada cobria 2% da circunferência da tigela. Eratóstenes tinha conhecimento de que a Terra era esférica e concluiu, então, que a distância entre Siene e Alexandria correspondia a 2% da circunferência do planeta. Multiplicando os valores, o filósofo chegou a uma medida de 39 250 quilômetros. Incrivelmente preciso, o resultado ficou muito próximo da medida correta, estimada em 40 070 quilômetros. Nada mau para um cientista que viveu há mais de 2 mil anos.

Sombras do tempo

Além de dar ao homem a medida do espaço em que vivemos, as sombras também nos forneceram a chave para conhecer o tempo. Na Grécia e Roma antigas, era comum marcar um encontro baseado no comprimento da sombra de uma pessoa. Era algo do tipo: “Te vejo na porta do Coliseu quando nossas sombras chegarem aos 3 metros, pode ser?”. O combinado, é claro, muitas vezes dava errado, já que o comprimento varia de acordo com a altura de cada um. Um baixinho e um grandalhão dificilmente se encontrariam utilizando esse método. As sombras deles chegariam ao comprimento combinado em diferentes momentos do dia.

Os romanos, aliás, eram exímios guerreiros e hábeis saqueadores, mas marcar um cineminha com eles devia ser tarefa difícil. O historiador Plínio conta que o primeiro relógio solar público de Roma foi instalado em 264 a.C., trazido da Sicília como parte do saque liderado pelo cônsul Marcus Valerius Messala durante a Primeira Guerra Púnica. “As linhas do relógio não concordavam com as horas”, escreveu o historiador, “mas as pessoas continuaram a segui-las por 99 anos!”. Plínio descreve o episódio com certo espanto pois, ao contrário da maioria dos outros cidadãos romanos, ele sabia que os relógios solares eram projetados de acordo com a latitude de cada cidade e a sombra que produziam ao serem expostos ao sol. Roma fica ao norte da Sicília, em latitude diferente, e por isso o relógio marcava as horas erradas. Os romanos só saíram do atraso quando o censor Quintus Marcus Phillipus, em tempo, resolveu erguer um relógio solar adequado à posição de Roma no globo terrestre.

Já era mesmo hora de os romanos entenderem como medir as horas por meio das sombras. Em Roma o relógio solar podia ser novidade, mas entre os egípcios tratava-se de um velho conhecido. Desde por volta do ano 3000 a.C. eles utilizavam um sistema que consistia em uma haste vertical, paralela ao eixo da Terra, montada sobre uma base. Na Grécia antiga a técnica foi aperfeiçoada: a projeção atingia uma tigela graduada, que era dividida em partes iguais. A duração do dia era medida de acordo com a sombra projetada ali. O que parece um mecanismo simples é, na verdade, um esquema imenso que envolve o Sol e a Terra. “Se você abrir um relógio de pulso, vai encontrar engrenagens e bateria. Se você abrir um relógio solar, irá encontrar um planeta e sua estrela”, afirma Casati. Nesse tipo de relógio, as sombras são a ponta de um sistema que registra o movimento aparente do Sol no céu. “O relógio solar mostra a posição da sombra de uma haste fixada no centro. Mas essa posição varia não somente com a hora do dia, mas com a órbita da Terra em torno do Sol”, diz o professor Kepler de Oliveira, chefe do departamento de Astronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É daí também que surge a definição do que chamamos de sentido horário. No hemisfério norte, a sombra projetada pelo sol caminha marcando as horas da esquerda para a direita. Quando os relógios mecânicos foram inventados, no século 14, os fabricantes resolveram manter o sentido para evitar confusões.

No fim das contas, todas essas teorias e equações provam que as sombras não são tão perigosas e misteriosas quanto se pensava. Seguindo cada passo de filósofos e astrônomos ao longo dos séculos, elas acabaram se mostrando fiéis assistentes da ciência em suas tentativas de entender melhor o que acontece no Universo. Ao invés de esconder, elas se mostraram reveladoras, apontando o caminho para que descobríssemos as medidas do espaço e do tempo.

Para saber mais
Na livraria:
A Descoberta da Sombra - Roberto Casati, Companhia das Letras, 2001
Na internet:
www.shadowmill.com - Imagens e artigos sobre as sombras

18 de maio de 2011

SOMBRISTA - artista das sombras

Texto originariamente elaborado para a ABrIC – Associação Brasileira de Iluminação Cênica para encaminhamento ao Ministério do Trabalho e o SATED Nacional e apreciação para possível aprovação nas categorias profissionais de técnicos em iluminação.


SOMBRISTA
CATEGORIA PROFISSIONAL

Descrição sumária
São profissionais que pesquisam, criam, idealizam, projetam, constroem, montam, atuam, operam e elaboram cenas dramáticas através da utilização das luzes e sombras projetadas. Lidam com diferentes matérias-primas e tecnologias, exigindo conhecimentos e habilidades manuais para a criação de objetos cênicos e na elaboração de soluções técnicas para o seu funcionamento na cena. O resultado conceitual, criativo e técnico pode ter diferentes finalidades artísticas, suportes e públicos, podendo ter suas projeções de sombras e luzes aplicadas como linguagem expressiva e dramática no teatro, show musical, apresentação de dança, eventos corporativos, desfiles de moda, televisão, vídeo, cinema e outras vertentes audiovisuais e cênicas. É uma função de alta capacitação artística por estar relacionada com as mais diferentes áreas das artes, exigindo conhecimentos de artes cênicas, gráficas, plásticas, cinematográficas, fotográficas, e conhecimentos técnicos nas áreas da elétrica, ótica, cenografia, dentre outros aspectos de interesse artístico. Por sua complexidade conceitual e técnica, provoca pesquisas que permitem o diálogo com outras vertentes em diferentes formatos. A principal peculiaridade dessa função é o rigor técnico com relação aos conceitos aplicados à sua prática, exigindo a sensibilidade e o talento para atuar, operar luzes e editar imagens ao vivo, simultaneamente, durante a cena. Diferentemente de um iluminador teatral, o sombrista acumula além dos conhecimentos básicos da iluminação cênica as funções de técnico, ator, diretor, cenógrafo, coreógrafo, roteirista, cenotécnico e artista gráfico para utilizar ao máximo a sua potencialidade expressiva. No que se refere aos aparatos de iluminação, o sombrista tem a tarefa de pesquisar suas fontes luminosas, efeitos especiais e ferramentas, apropriando-se das tecnologias para desenvolver suas obras de arte. O sombrista precisa ter conhecimentos sobre a arquitetura cênica e a iluminação básica para dialogar com clareza e precisão na sua relação profissional com outros técnicos e artistas durante as pesquisas, produções, projetos, montagens, execuções ou criações coletivas.


Formação e experiência
O exercício pleno dessa função requer, preferencialmente, um ensino escolar qualificado e adequado às perspectivas de trabalho desejado. O ensino médio e variados cursos técnicos em diferentes áreas das artes, colaboram para o avanço nas pesquisas mais complexas, nos intercâmbios com outros artistas, como reforço e aprimoramento conceitual na formação autodidata. Esse tipo de formação pode ser casual, sistemática, formal ou informal, desde que a qualidade no desempenho dessa atividade passe pela experiência de participar, com desenvoltura, de pesquisas próprias ou de terceiros, buscando referências e descobertas no campo das tecnologias de iluminação, das linguagens e da capacidade de criação individual e coletiva. Em geral, as diferentes experiências com as criações e produções de espetáculos colaboram definitivamente para a formação dos sombristas, porém mais importante que o número de produções, é a intensidade com que esse artista se envolve. É o aprofundamento nos diferentes conhecimentos sobre o nero que determinam a aptidão e a competência do sombrista em exercer plenamente o seu ofício no mercado da arte.




Condições gerais de exercício
No Brasil, de um modo geral, trabalham em atividades culturais, corporativas e de entretenimento, como solistas, em grupos ou companhias teatrais ou ainda em produtoras culturais. A remuneração é efetuada através de cachê, cotas, como sócio da produção ou por recebimento de pagamento espontâneo (como no caso do artista de rua, “que passa o chapéu”) ou ainda por meio de direito autoral sobre as suas obras. O trabalho de pesquisa é desenvolvido sozinho ou em pequenos grupos, de forma autodidata ou com assessorias específicas e as produções são em equipe, com autonomia criativa ou com a supervisão de outros artistas, nos mais diversos ambientes, em horários irregulares. Como é comum nas atividades ligadas ao entretenimento, o exercício requer disponibilidade para permanecer por longas horas nas montagens e na preparação de equipamentos, cenários e aparatos, a carregar cargas pesadas, bem como estar exposto aos efeitos de ruído intenso, ambientes com pouca luminosidade, grandes alturas e sujeitos a pressões por cumprimento de prazos. No gênero do teatro de animação ou formas animadas o sombrista é comparado ao ator bonequeiro, um marionetista ou ventríloquo, e geralmente é considerado um ator, neste caso, ator-manipulador, ou ainda ator-animador. Ainda não existe a formalização de uma categoria adequada na legislação trabalhista e no regimento do SATED que classifique o ator do teatro de formas animadas.


Texto criado para ampliar o entendimento técnico do profissional atuante no teatro de sombras na Cia Teatro Lumbra de Animação

Os diferentes níveis técnicos do sombrista

01-Sombrista Avançado ou Profissional
Desenvolve plenamente, de forma sistemática e polivalente todas as suas capacidades sensíveis, físicas, práticas e filosóficas com profundidade, método processual, interdisciplinaridade, estudo, pesquisa, intercâmbio, difusão e disciplina. Engloba todas as demais categorias abaixo em nível avançado. Possui interesse experimental e habilidades plenamente aptas a criar, dirigir, produzir, assessorar, ensinar e administrar espetáculos, obras e atividades formativas na arte das sombras de modo comercial ou filantrópico. Sua capacidade mais qualificada é o domínio da dramaturgia unida à capacidade criativa e técnica.

02-Sombrista Criativo
Exercita seus conceitos, experimentalismos e atividades genéricas sem um processo ou estilo definido. Pode estar associado ou não a outros artistas visando desenvolver suas habilidades artísticas para diferentes fins. Suas experiências podem indicar caminhos para pesquisas mais complexas e um nível profissional.

03-Sombrista Intérprete
Seu talento mais aprimorado é como ator que usa plenamente sua experiência corporal sensível em prol da cena dramática. Por falta de interesse, conhecimento ou habilidade, geralmente não se envolve nos demais processos ou tem pouca compreensão de detalhes importantes envolvidos na criação, produção e manutenção da obra em que atua. Dependendo de suas capacidades técnicas de atuação, experimentalismo e improvisação o ator de teatro de sombras é capaz de atuar, empiricamente como assessor direto do diretor, colaborando e criando soluções dramáticas, novas possibilidades experimentais e correções durante o processo dos ensaios.

04-Sombrista Técnico
É envolvido com um ou mais níveis no processo de criação e construção do espetáculo podendo se especializar em tarefas de desenho, cenotécnica, efeitos especiais, eletrotécnica dentre outras atividades de produção. Geralmente não possui habilidades para a interpretação. Dependendo da sensibilidade artística, pode realizar figuração ou contra-regragem durante uma cena ou espetáculo. Sua qualidade se aprimora quando participa de todos os processos de criação, pré-produção, produção e correções da obra.





05-Sombrista Intelectual
Dedica-se a pensar a teoria de estilos, processos, obras e a história da arte. Dentre suas colaborações e ações está a de apreciar obras e registros sobre o assunto, difundir e formar conceitos, refletir sobre práticas, fazer circular informações e colaborar no registro do histórico desse gênero. Pode ser autodidata ou acadêmico.

06-Sombrista Curioso
Seu interesse em descobrir como se faz é sua principal colaboração. Costuma consumir informações sobre o assunto e sua dedicação e entusiasmo pode levar a descobertas e resultados muito interessantes. Geralmente suas experiências não possuem muito investimento na continuidade e na profundidade dos resultados, caracterizado por um estilo, uma estética e uma dramaturgia amadora.



Qualidades e habilidades desejadas no sombrista profissional


·  Talento e originalidade criativa bem desenvolvidos;
·  Curiosidade e disponibilidade para o aprofundamento de temas de interesse particular, coletivo ou de terceiros;
·  Conhecimentos gerais sobre arte e literatura, estilos, tendências e referências conceituais;
·  Vivências e experiências com a estética da natureza, da criação e das obras artísticas;
·  Sensibilidade para apreciar, discutir, interpretar, questionar e criticar diferentes formas de arte, clássicas ou modernas;
·  Habilidades manuais e conhecimentos sobre o uso de ferramentas, materiais e tecnologias;
·  Conhecimentos técnicos e disponibilidade para estudar a teoria e desenvolver a prática no desenho, escultura, atuação, design, cinema, roteiro dramático, marcenaria, elétrica, física mecânica, cenotécnica, cenografia, segurança no trabalho, produção executiva, informática, música, pintura, poesia e outras atividades ligadas às artes, à administração e à gestão de negócios;
·  Traço desenvolvido para o desenho livre e arquitetônico;
·  Memória e concentração;
·  Clareza teórica e organização processual;
·  Raciocínio lógico e intuição;
·  Comunicação clara e domínio de termos técnicos;
·  Capacidades empreendedoras de marketing pessoal e organização;
·  Capacidade de ensinar;
·  Capacidade produtiva e de exteriorizar suas conquistas;
·  Aplicação hábil das diferentes qualidades de energia do corpo;
·  Compreensão mínima de biomecânica do corpo e aspectos preventivos de lesões corporais;
·  Conhecimentos mínimos de aspectos coreográficos (desenho do movimento) e coreológicos (lógica e ordenação do movimento).

Texto de Alexandre Fávero (Cia Teatro Lumbra e Clube da Sombra Produções) e colaboração de Paulo Balardim (Cia Caixa do Elefante e UDESC).