18 de janeiro de 2012

Reflexões sobre as regras e o jogo na cena de sombras

Esse texto foi inspirado nas dificuldades da equipe de sombristas da Companhia Teatro Lumbra durante os processos criativos em suas produções e servem como ponto de partida para uma reflexão maior e melhor sobre o desenvolvimento do sombrista profissional na cena - Alexandre Fávero - 16/07/2011






Capítulo 1
PERCEPÇÃO SENSORIAL


A visão e o olhar na cena


“Ver” o que acontece na cena de sombras exige um treinamento específico para ampliar o campo de visão além daquilo que está disposto frente aos olhos ou daquilo que se usa para realizar a cena. O olho do sombrista é exercitado para imaginar e ver aquilo que não é visível. A imaginação faz parte desse olhar diferenciado, pois é o recurso usado para inventar as imagens. Antes de praticar com imagens que não existem, o sombrista precisa ver aquilo que está lá, mesmo que seja em condições inapropriadas.


1-olhar a sombra
É uma das mais a importantes premissas para trabalhar com a sombra expressiva. É a capacidade de adaptar a visão de forma a selecionar as áreas da cena (superfície de projeção) e o espaço cênico (dentro e fora da cena) simultaneamente mediante o exercício e o desenvolvimento de uma percepção visual o mais ampla possível. Essa visão periférica ampliada se vale de técnicas simples, mas que exigem exercícios práticos, tais como:


>olhar oblíquo ou de canto de olho, que permite visualizar áreas distintas sem a necessidade de mover a cabeça e possibilita manter a posição do corpo em uma imobilidade aparente ou em uma posição estratégica, no caso das sombras, de perfil, estático ou em movimento contínuo.


>olhar em varredura, que possibilita visualizar áreas mais amplas que o campo de visão cotidiano, sem focar ou parar o campo de visão em nenhum ponto específico. Esse olhar permite realizar uma leitura de variados espaços e tomar iniciativas conforme a capacidade de interpretar esses espaços visualizados.


>olhar de relance, é observar um determinado ponto rapidamente.


>olhar fixo, permite um alcance periférico amplo, sem a necessidade de mover os olhos.


(segue)

26 de julho de 2011

Fragmento do artigo - Antropofagia e hibridismo no teatro de animação brasileiro

Parte do artigo de Fábio Henrique Nunes Medeiros, da Universidade de São Paulo - USP, publicado na Revista Móin-Móin - Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas - Volume 07 - ano 6 - "Cenários da Criação no Teatro de Formas Animadas". Publicação editada pela Sociedade Cultura Artística de Jaraguá do Sul  (SCAR) e a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)


Dois espetáculos que dialogam com a cultura popular  regional – Antropofagia cultural

Babau ou a Vida Desembestada do Homem que Tentou Engabelar a Morte, de 2006 - Mão Molenga teatro de bonecos, (4) de Pernambuco e A Salamanca do Jarau, de 2007 - Cia Teatro Lumbra (5) – RS, são dois espetáculos diferentes enquanto linguagens, pois um utiliza elementos tradicionais do teatro de animação, como o próprio boneco de vara e luva; e o outro, com a linguagem do teatro de sombras, utiliza silhuetas com vários recursos, e além disso o corpo do ator.  Mesmo os dois sendo teatro de animação, as características são bem diferentes enquanto técnica e estética da linguagem, o que revela como é múltipla essa arte. Mas, as abordagens são irmãs (elo entre as duas propostas) – a cultura popular regional, para serem apresentados em sala de teatro, ou seja, recodificam práticas discretas e específicas para outros espaços e geram uma nova forma.
(4)Fundado em 1986 por Fábio Caio, Fátima Caio, Marcondes Lima e Carla Denise. 
(5)Criado em 2000 e coordenado por Alexandre Fávero, atualmente conta com a equipe deFlávio Silveira, Roger Mothcy e Fabiana Bigarella.


Foto: Chan


(...)


Já na concepção e montagem do espetáculo A Salamanca do Jarau da Cia. Teatro Lumbra do Rio Grande do Sul, também com base na tradição popular, o recorte, procedimentos e linguagem são diferentes. 
O espetáculo dá continuidade à temática da cultura popular brasileira, dessa vez especificamente gaúcha, e também à investigação ao teatro de sombras.
O projeto da montagem é inspirado no conto homônimo de João Simões Lopes Neto (7), que conta as “origens” do povo gaúcho. 
No entanto, a encenação vai além do mesmo, pois sua estrutura é recheada de elementos da cultura popular, prosa, lenda, expressões regionais e andanças do grupo durante o resgate da tradição gaúcha no circuito onde a trama foi ambientada.




O gaúcho pobre Blau Nunes se encontra com o guardião da gruta do Cerro do Jarau, que lhe convida a passar por sete provas em troca de riquezas. Após, encontra-se com a princesa moura, a teiniaguá encantada pelo diabo indígena Anhangá-Pitã, a qual lhe oferece riquezas. Blau nega e pede seu amor em troca, mas não é atendido [...] Ao sair da gruta, recebe do guardião um amuleto com o qual faz fortuna, porém é difamado e isolado. Arrependido, Blau devolve o talismã e com isso liberta o sacristão e a teiniaguá, que formam um “casal que dará origem ao povo gaúcho (GRUPO – SITE: 2010).


A história A Salamanca do Jarau (8), bem como todas as estruturas dos contos maravilhosos europeus, traz personagens arquetípicos e fórmulas consagradas, como: princesa, fada, bruxa, guardião, amuleto, diabo, magos, saga heroica em nome do amor, conflito por quebrar o encantamento – magia, dicotomia entre bem e mal, e ao mesmo tempo, a mestiçagem de personagens como: Caipora, Diabo indígena... É um sinal evidente da antropofagia na trama da peça.

No percurso da pesquisa para montagem do espetáculo passaram historiadores acadêmicos, além de conhecedores da sabedoria popular. Esse procedimento dá vida e atualiza a história, pois a sabedoria popular é guardiã de conhecimentos intocáveis, devido ao seu poder de maleabilidade e transformação. Seus contadores estão vivos. 
(7)Escritor pelotense - RS. “Nos seus contos regionais falou da condição do negro, em O Negro Bonifácio e O Negrinho do Pastoreio.”(FÁVERO, 2003). 
(8)A transposição e criação das cenas a partir do conto é realizado por Alexandre Fávero, diretor geral do projeto.


Foto: Alexandre Fávero

Da história ao atracamento na encenação, o processo passa por uma tradução/traição de uma história basicamente oral (verbal) para a linguagem das sombras (imagética), o que demonstra um processo de conversão de signos e ao mesmo tempo perda e mutação dos mesmos. O grupo tem pleno domínio e consciência disso, como expresso por eles quando dizem que o espetáculo está fundamentado na experiência e pesquisa do universo das sombras, além da cultura gaúcha.

O teatro de sombras é uma linguagem que transforma tudo em dramaturgia: o movimento, a imagem, o som. Dessa forma, o contexto da história está ambientalizado com imagens das paisagens dos pampas, igrejas e grutas em várias escalas de tamanhos. O som resgata a atmosfera mestiça do ritmo do lugar, bem como o período de colonização, que se configura por influências espanholas, portuguesas, indígenas, além da criação da atmosfera mágica – característica da linguagem do teatro de sombras.
Foto: Alexandre Fávero

Muitos são os desdobramentos estéticos da linguagem do teatro de sombras pela Cia de Teatro Lumbra, sendo que, nessa arte, técnica e estética estão imbricadas: a dinâmica da manipulação do foco de luz e metalinguagem; silhuetas confeccionadas, de objetos e corporais; vários suportes de telas que também se movimentam; criação do aparato técnico (luz); ocupação espacial quase completamente preenchida, inclusive o fundo do palco; multiplicidade 
e cores de luz e dos outros elementos; subversão dos planos de luz e sombras que se deslocam, com isso, também altera o espaço de projeção; uso de recursos e elementos alternativos como água, fumaça, entre tantos outros; paradoxo entre ausência e presença do ator-manipulador-personagem; entre outros. “É esse aparato cenotécnico que permite a construção e desconstrução dos signos teatrais e da leitura audiovisual, durante todo o espetáculo, dando 
uma impressão surrealista dos signos” (FÁVERO, 2003).

É importante sublinhar que nesta linguagem teatral, a preparação do ator/sombrista é fundamental devido a uma série de fatores, mas destaca-se o deslocamento espacial no escuro da cena e por trás dela. 
O espetáculo cria um panorama, um cartão postal do povo gaúcho na sua construção, a partir da percepção popular, revelando o hibridismo étnico e cultural desse povo, e também da própria linguagem do teatro de sombras que se recodifica em misturas técnicas e estéticas.

Tanto os personagens Babau como Blau Nunes são representações em síntese de identidades sociais. Eles são resguardados e protegidos pela tradição, como uma espécie de museus da memória coletiva, tão viva quanto o povo e a capacidade de perpetuação pela interação comunicativa.


Foto: Alexandre Fávero

Considerações
A antropofagia como paródia da cultura, “especificamente no teatro, é usada no sentido da deglutição onde o novo texto [verbal ou não-verbal] traduz a cultura, tritura a tradição re-interpretandoa” (GARDIN, 1995: 185). É o terreno mais fértil para a mistura cultural e mesmo de linguagens, como resultante de uma diligente experiência técnica e estética, além de transformar o “canibal” num potencial artístico, numa qualidade estética.
Na arte contemporânea, há uma revisitação constante. Ela não procura romper com o passado, mas ao contrário, ela dá novos significados, procurando trazer referências históricas para o presente adequando-as ao nosso tempo, além de trazer também referências de outros segmentos.
Ser híbrido, misturado, contaminado, mestiço, polifônico, intertextual, imbricado, inter e multifacetado, lembra algumas palavras de pensadores e poetas, como Roland Barthes (2002: 8) quando diz:

“Então o velho mito bíblico se inverte, a confusão das línguas não é mais uma punição, o sujeito chega à fruição pela coabitação das linguagens, que trabalham lado a lado: o texto de prazer é Babel feliz”. Ou seja, texto é tessitura. Já na voz do poeta Lindolf Bell, ouvido ao pé da orelha, “O ser humano não é ilha, mas partilha”. É nesta perspectiva que as poéticas desses grupos e outros se arquitetam, construindo-se a partir da tessitura das linguagens. O teatro está repleto de imagens emergentes, ou seja, que 
emanam sentido. Isso é particularmente visível nos espetáculos de teatro de animação. Sua poesia transcende a palavra, bem como a imagem está encarnada de palavras, assim como o inverso. O teatro contemporâneo materializa o mito da Babel, invertido. É quando, conforme Roland Barthes (2002), a estética vive na coexistência de várias linguagens simultâneas. Assim se faz a têmpera do teatro de animação, mesclando-se constantemente.


Fábio Henrique Nunes Medeiros é diretor teatral e bonequeiro, pesquisa Teatro de Formas Animadas. Doutorando em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo - USP e Mestre em Teatro pela Universidade de Santa Catarina – UDESC (2009). Especialista em História da Arte Brasileira pela Faculdade de Artes do Paraná – FAP. fabiodeolinda@yahoo.com.br


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropofágico.  In: Revista de Antropofagia. São Paulo: São Paulo: CLY ― Cia. Lithographica Ypiranga, ano 1, n. 1, maio de 1928.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.
CANCLINI, Nestor G. Culturas Híbridas. 4ª ed. São Paulo: Edusp, 2008.
DENISE, Carla. Mão Molenga teatro de bonecos. Disponível em:                                            <http://www.bonecosdepernambuco.com>. Acesso em: 24 de maio de 2010. 
FÁVERO, Alexandre. Relato de concepção, 2003. Disponível em:                                           
<http://www.clubedasombra.com.br/salamanca/concepcao.htm>. Acesso em: 30 de maio 2010.
GARDIN, Carlos. O Teatro Antropofágico de Oswald de Andrade: da ação teatral ao teatro de ação. São Paulo: Annablume, 1995.
MALAFAIA, Marcos. Entrevista concedida a Fábio Henrique Nunes Medeiros. Belo Horizonte, 29 de out. de 2008. Entrevista.
MEDEIROS, Fábio H. N.  Fronteiras invisíveis e territórios movediços entre o teatro de animação contemporâneo e as artes visuais: a voz do pincel de Álvaro Apocalypse.  2008, 194 p. Dissertação (Mestrado em Teatro) – Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Florianópolis: 2009.
PAVIS, Patrice. O Teatro no Cruzamento de Culturas. São Paulo: 
Perspectiva, 2008.
VELLINHO, Miguel. Ação! Aproximações entre a linguagem cinematográfica e o teatro de animação. In: Móin Móin - Revista de Estudos Sobre Teatro de Formas Animadas. Jaraguá do Sul/SC, n. 1, v.1. p.167-186, 2005.
Outras fontes de consultas - sites dos grupos:
http://www.pequod.com.br
http://www.giramundo.org
http://www.clubedasombra.com.br



Móin – Móin: Revista de Estudos sobre Teatro de Formas 
Animadas. Jaraguá do Sul: SCAR/UDESC, 
ano 6, v. 7, 2010.  ISSN 1809-1385
M712
Periodicidade anual
1.Teatro de bonecos. 2. Teatro de máscaras. 3. Teatro de fantoches
CDD 792


Para ler esse artigo na íntegra: http://www.ceart.udesc.br/ppgt/revista_moin_moin_7.pdf

Móin-Móin é uma publicação conjunta da Sociedade Cultura Artística de Jaraguá do Sul - SCAR e do Programa de Pós-Graduação em Teatro (Mestrado) da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. As opiniões expressas nos artigos são de inteira responsabilidade dos autores. A publicação de artigos, fotos e desenhos foi autorizada pelos responsáveis ou seus representantes.  
Editores: Gilmar Antônio Moretti – SCAR e Prof. Dr. Valmor Nini Beltrame – UDESC











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